O poema é uma concha onde resssoa a música do mundo
Octavio Paz

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Na aula de 11 de agosto discutimos a introdução de O arco e a lira, de Octavio Paz.
Analisamos em seguida o seguinte poema de Safo, a partir da edição e tradução de Joaquim Brasil Fontes (FONTES, Joaquim Brasil. Eros, Tecelão de Mitos. S. Paulo: Iluminuras, 2003).

 .ρανοθεν κατιοθ[σ-

δευρυμ† μεκρητας π[     ].  ναῦον
ἄγνον ὄππ[αι   ]  χάριεν μὲν ἄλσος
μαλί[αν], βῶμοι †δεμιθυμιάμε-
   ωοι [λι]βώντωι·

ἐν δ’ ὔδωρ ψῦχρον κελάδει δι’ ὔσδων
μαλίνων, βρόδοισι δὲ παῖς ὀ χῶρος
ἐσκίαστ’, αἰυθσσομένων δὲ φύλλων
   κῶμα †καταγριον·

ἐν δὲ λείμων ἰππόβοτος τέθαλε
†τωτ . . .ιριννοις†  ἄνθεσιν, αἰ δ’ ἄηται
μέλλιχα πνέοισιν [
   [                       ]

ἔνθα δὴ σ]τέμ[ματ’] ἔλοισα Κύπρι
χρυσίαισιν ἐν κυλίκεσσι ἄβρως
ὀμ[με]μείχμενον θαλίαισι νέκταρ
   οἰνοχόαισον

Observamos que a referência a macieiras remete ao culto de Afrodite: J. Brasil Fontes (p. 266) lembra que a maçã é o fruto de Afrodite, e que ela era chamada de "Aphrodite meléia", a deusa dos pomares e das macieiras.
para outras versões do poema, e fontes, cf. o link
http://inamidst.com/stuff/sappho/

Creio que este poema repercutirá nas leituras que faremos de algumas poetas "da natureza" como Anette von Droste-Hülshoff e  Emily Dickinson.




7 comentários:

  1. O poema é lindo, uma canção. Ao seguir a orientação do professor para ouvir a 6ª sinfonia de Beethoven, ficou evidente o que foi enfatizado em sala, que a poesia produz imagem. O poema revela a divindade através da natureza e a sinfonia faz um convite a experimentar as sensações provenientes da vida campestre. Além do prazer da leitura, através da imagem o leitor pode entrar no santuário da deusa, o que torna o poema uma experiência quase que real.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Gosto muito da 6a. sinfonia de Beethoven com Herbert von Karajan, mas não achei uma boa versão no Youtube. esta aqui, com o Leonard Bernstein, é equivalente.

    https://www.youtube.com/watch?v=tcSuSk4d6Gs

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  4. Caros colegas,

    Durante a discussão sobre a tensão entre poema e poesia, levantei um exemplo dado pelo poeta Antonio Carlos Secchin, no documentário Todos os ventos (disponível em https://www.youtube.com/watch?v=bAo67twE7ws), quando ele diz, não exatamente com estas palavras, que o poema é a cicatriz que fica do rasgo conferido pela poesia em sua dinamicidade inaugural e incontornável. Então, fica aí a sugestão do filme, de repente, para fomentar ainda mais nossas conversas.

    Abraços!

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  5. a imagem da cicatriz me lembra outra, a de João Cabral, em "O Sim contra o Sim", na parte e que ele descreve a poesia de Marianne Moore:

    “Marianne Moore, em vez de lápis,
    emprega quando escreve
    instrumento cortante:
    bisturi, simples canivete.

    Ela aprendeu que o lado claro
    das coisas é o anverso
    e por isso as disseca:
    para ler textos mais corretos.

    Com a mão direita ela as penetra
    com lápis bisturi,
    e com eles compõe,
    de volta, o verso cicatriz.

    E porque é limpa a cicatriz
    econômica, reta,
    mais que o cirurgião
    se admira a lâmina que opera.”

    Secchin, aliás, conhece bem esse poema.


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    1. A poesia desperta os poemas pelo cheiro das imagens... Por esse poema de João Cabral fui lançado em Pessoa, quando, num sentido até mais amplo, tanto retoma a questão da cicatriz, da marca deixada pelo texto escrito, pela obra se realizando em palavra e se restituindo à linguagem. Pela tinta que foi necessária ser raspada (ver poema abaixo) entrevi a cicatriz de Secchin e de Cabral e, além, ainda outros assuntos que discutimos, como a natureza (em seus amplos sentidos) e o próprio fazer poético.
      Ainda lembrando da aula, gosto quando o poeta se atreve a pensar o poema, a poesia, o fazer poético, como faz Octavio Paz, pois nesse movimento de teoria-prática-de-pensamento, penso que o afastamento do olhar judicante se desfaz, permitindo ambiguidades em vez de dicotomias. Desse modo, o poeta pensante se deixa sujar com as palavras e ser seu próprio poema, atrelando a isso a necessária imbricação entre chão e pele, palavra e sujeição de gestos, escrita e leitura, poesia em tensão com poema... Enfim, deixo abaixo o poema do Pessoa, o poema XLVI de "O guardador de rebanhos":

      Deste modo ou daquele modo.
      Conforme calha ou não calha.
      Podendo às vezes dizer o que penso,
      E outras vezes dizendo-o mal e com misturas,
      Vou escrevendo os meus versos sem querer,
      Como se escrever não fosse uma cousa feita de gestos,
      Como se escrever fosse uma cousa que me acontecesse
      Como dar-me o sol de fora.

      Procuro dizer o que sinto
      Sem pensar em que o sinto.
      Procuro encostar as palavras à ideia
      E não precisar dum corredor
      Do pensamento para as palavras
      Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.
      O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado
      Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.

      Procuro despir-me do que aprendi,
      Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
      E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
      Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
      Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,
      Mas um animal humano que a Natureza produziu.

      E assim escrevo, querendo sentir a Natureza, nem sequer como um homem,
      Mas como quem sente a Natureza, e mais nada.
      E assim escrevo, ora bem ora mal,
      Ora acertando com o que quero dizer ora errando,
      Caindo aqui, levantando-me acolá,
      Mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso.

      Ainda assim, sou alguém.
      Sou o Descobridor da Natureza.
      Sou o Argonauta das sensações verdadeiras.
      Trago ao Universo um novo Universo
      Porque trago ao Universo ele-próprio.

      Isto sinto e isto escrevo
      Perfeitamente sabedor e sem que não veja
      Que são cinco horas do amanhecer
      E que o sol, que ainda não mostrou a cabeça
      Por cima do muro do horizonte,
      Ainda assim já se lhe vêem as pontas dos dedos
      Agarrando o cimo do muro
      Do horizonte cheio de montes baixos.

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